Quando foi condenada a 19 anos de prisão, a ex-comerciante Amanda Karoline da Silva, de 29 anos, não imaginava que viria a se tornar escritora dentro da cadeia, contando em um livro a sua trágica história de violência, humilhação, medo, vingança e, por fim, redenção. “De Tambaba à Prisão” é o título que ela deu ao livro lançado ontem (12), na sede do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), através do projeto “Escritores do Cárcere”, uma das iniciativas voltadas para a socialização de pessoas condenadas pela justiça.
O nome do livro faz referência à praia de naturismo Tambaba, litoral sul da Paraíba, que segundo a escritora foi palco de momentos que ela não esqueceu e que levaram ao assassinato do seu marido, em 2016. A paradisíaca praia paraibana ela conheceu aos 18 anos, após três anos de casada com o homem que a fez infeliz. A partir daí, conta no livro, foi obrigada por ele a freqüentar casas de swing e participar de orgias, além de apanhar até de facão e cinto. Por quase uma década, viveu uma rotina de violência física, psicológica, moral e sexual.
Teria sido essa a motivação para dar um fim ao sofrimento que não revelava ou denunciava devido às ameaças do companheiro e pelo constrangimento dos atos que era obrigada a praticar. Encomendou então a morte dele. O assassinato foi a tiros na porta da residência do casal, em Macaíba, na Grande Natal.
Mas o livro vai além dos relatos de dor, ódio, constrangimento e angústia. Amanda diz que narrar sua história a ajudou a desenvolver um processo de cura. “O que eu coloco no meu livro é para que as pessoas enxerguem em seus próprios relacionamentos, na sua própria vida, a lição de não cometer o mesmo que eu. Passei cinco anos no regime fechado. A escrita me fez ver que eu não falava apenas sobre mim, mas também de várias mulheres que passam pela violência e pelo abuso. Ao escrever, também encontrei o meu perdão”, disse ela.
Foi a policial penal, Joana Coelho, quem incentivou a jovem a expressar seu drama através das palavras. “Senti a história dela como verdadeira. Ela estava pagando por um crime que não era só dela, então por que não tornar a prisão menos pesada transcrevendo o que viveu? Não para justificar um crime, mas para explicar a si própria e à sociedade como chegou ao crime, de forma que outras também não cheguem”, relatou a policial.
A escritora conseguiu uma redução de pena em função de trabalhos prestados na unidade prisional, passando de 19 para 15 anos e sete meses. Esse trabalho que orientou Amanda dentro do projeto “Escritores do Cárcere” tem o apoio do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo (GMF-RN) e do Programa Novos Rumos na Execução Penal do TJRN.
“Assim como ela (Amanda) e o que ela representa, existem muitas minorias que precisam do nosso apoio. Quando passei pela corregedoria, por exemplo, editamos muitos provimentos com objetivos sociais, os de número 173, 175 e 176 foram nesse sentido. Este último lançou o projeto ‘Padrinhos’, que apoia crianças em situação de adoção”, apontou a desembargadora Maria Zeneide Bezerra, vice-presidente do TJRN e supervisora do GMF-RN.
O trabalho conjuga vários exercícios dentro da Secretaria Estadual de Administração penitenciária (SEAP) e do TJRN através do programa Novos Rumos. “E aí a gente vai encontrar pessoas encarceradas que querem contar para o judiciário histórias importantes que elas precisam dizer a alguém. Nós temos uma presa, por exemplo, que escreveu um livro em um rolo de papel higiênico. Então a gente busca fazer com que ela conte essa história da melhor forma possível, com ajuda de apoiadores e colaboradores para desenvolver habilidades nestas pessoas”, explicou o juiz auxiliar da vice-presidência do TJRN, Fábio Ataíde, ressaltando a importância do projeto em outros municípios do Estado, como em Caicó
O projeto já tem três livros publicados de autoria de detentos, além de outros que estão em elaboração num processo que não é tão rápido o quanto parece. A obra de Amanda levou cinco anos para chegar ao lançamento.
A participação no projeto ajuda a reduzir a pena. No caso de Amanda, foi um ano a menos de prisão. O livro está em sua primeira edição, pode ser adquirido através de seu perfil @amanda_diario no Instagram e a história está sendo estudada para virar um documentário. Hoje ela cumpre os dez anos restantes de pena em regime semiaberto, mas já consegue trabalhar, conviver com a família e firmar um novo relacionamento bem diferente do traumático que a levou à prisão.