No Brasil, o uso recreativo da maconha é proibido, mas as mesmo assim as estatísticas mostram alto consumo — Foto: RAUL ARBOLEDA / AFP
As pessoas que usam maconha têm um risco aumentado de doenças cardíacas e infarto, de acordo com um grande estudo liderado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade Stanford, nos Estados Unidos. O estudo, publicado na revista Cell, indica que o THC, componente psicoativo da droga, pode desencadear inflamação nas células que revestem os vasos sanguíneos e causar aterosclerose.
Os pesquisadores chegaram a essa conclusão após analisarem dados sobre a relação entre uso de maconha e ataque cardíaco de cerca de 500 mil pessoas, com idades entre 40 e 69 anos. Os resultados mostraram que os indivíduos que fumavam maconha mais de uma vez por mês eram muito mais propensos a ter um ataque cardíaco antes dos 50 anos, em comparação com os não usuários. A associação se manteve mesmo após serem analisados fatores que influenciam o risco do problema, como idade, sexo e peso corporal.
“Há uma percepção pública crescente de que a maconha é inofensiva ou até benéfica. A maconha claramente tem usos medicinais importantes, mas os usuários recreativos devem pensar cuidadosamente sobre o uso excessivo”, disse Joseph Wu, professor de medicina cardiovascular e radiologia e diretor do Instituto Cardiovascular Stanford, em comunicado.
Aumento da inflamação
Em seguida, a equipe analisou por quais mecanismos a droga aumenta esse risco. Eles então descobriram que os níveis de moléculas inflamatórias no sangue de voluntários que fumaram um cigarro de maconha aumentaram significativamente nas três horas subsequentes. Eles mostraram ainda que o THC promove inflamação e marcas de aterosclerose em células endoteliais humanas cultivadas em laboratório, aquelas que revestem o interior dos vasos sanguíneos e do coração.
Por fim, eles decidiram descobrir se havia alguma substância que poderia bloquear as propriedades pró-inflamatórias do THC sem interromper os efeitos psicoativos da droga. O THC se liga a um receptor chamado CB1, presente nas células do cérebro, coração e sistema vascular. O receptor reconhece os canabinóides naturais, ou endocanabinóides, que regulam o humor, a percepção da dor, a função imunológica e o metabolismo. Mas o uso frequente de maconha causa ativação inadequada desse receptor, o que pode causar inflamação e aterosclerose, e está associado à obesidade, câncer e diabetes.
Suplemento pode reduzir o risco
Eles então chegaram à genisteína, uma substância presente naturalmente na soja, que bloqueia as propriedades inflamatórias e ateroscleróticas do THC sem causar efeitos colaterais psiquiátricos. Ela não inibe a capacidade do THC de estimular o apetite, diminuir a dor e reprimir a náusea, características importantes para os usuários de maconha medicinal.
A descoberta é importante porque diversos grupos já tentaram desenvolver moléculas para bloquear a função do CB1 em condições nas quais o receptor é hiperativo, como na obesidade, mas isso não funcionou devido aos efeitos colaterais psiquiátricos da inibição desse receptor, incluindo transtornos de humor e ansiedade.
“Não vimos nos camundongos nenhum bloqueio dos efeitos analgésicos ou sedativos normais do THC, que contribuem para as propriedades medicinais potencialmente úteis da maconha. Assim, a genisteína é potencialmente uma droga mais segura do que os antagonistas anteriores do CB1. Ela já é usada como suplemento nutricional e 99% dela fica fora do cérebro, portanto não deve causar esses efeitos colaterais adversos específicos”, disse disse o instrutor de medicina Mark Chandy.
O próximo passo é realizar ensaios clínicos para saber se a genisteína pode reduzir o risco de doenças cardiovasculares em usuários de maconha e incluir o CBD, outro canabinóide presente na maconha que não tem efeitos psicoativo.
O Globo