Em 2021, cerca de 100 veículos locados foram apropriados de forma indevida no Rio Grande do Norte. O número representa um crescimento de 150% quando comparado aos registros de 2020 (40 ocorrências). Os dados foram compartilhados pela diretoria regional da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (ABLA) e pelo Sindicato das Empresas Locadoras de Automóveis do Estado do Rio Grande do Norte (Sindloc/RN). Estima-se que as mais de 11 mil locadoras ativas no país enfrentam pelo menos 10 mil tentativas de apropriação indébita por ano.
O crime consiste na prática de alugar um carro sem intenção de devolver à locadora após o decurso do prazo fixado no contrato de locação.
Segundo a ABLA, a estimativa é que as tentativas de apropriação em veículos de locadoras afetam em torno de 1% da frota do setor. Em sua estatística mais recente, a associação considera um milhão de automóveis como frota total. Levando em conta um preço médio dos veículos próximo aos R$ 70 mil, calcula-se que o valor do patrimônio das locadoras sujeito a esse risco anual pode ser estimado em pelo menos R$ 700 milhões.
Os veículos que são apropriados pelos criminosos têm sido repassados a terceiros mediante venda, inclusive por meio da internet, com valores substancialmente abaixo dos preços de mercado.
Cientes ou não da apropriação indébita, os compradores podem responder pelo crime de receptação. No contexto local, os carros são utilizados para transporte de drogas e transporte clandestino no interior ou em outros estados.
“A ABLA busca avançar para que conste nos registros dos Detrans não apenas os casos de roubo e furto, mas também os de apropriação indébita. A associação também tem como pleito a rápida solução para a atual falta de sistemas interligados na gestão dos Detrans e das Polícias, para que os próprios criminosos e/ou receptadores comecem a enfrentar mais restrições de circulação quando em posse desses veículos”, informam em nota.
Atualmente, o projeto de lei 2735/19 de autoria do deputado federal Juninho do Pneu (DEM/RJ) torna crime tanto a apropriação indébita na locação de veículo, com pena de reclusão de 2 a 7 anos e multa, quanto o estelionato na locação de veículo, com pena de reclusão de 2 a 8 anos e multa. Aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania em 2019, o projeto ainda não foi conduzido para análise no Plenário da Câmara dos Deputados.
O delegado Júlio César Lima, do 4º Distrito Policial, esclareceu que nos casos de apropriação indevida as investigações instauradas pedem busca e apreensão dos veículos em questão. De acordo com ele, os criminosos levam os carros para outros estados, na maioria das vezes, com o intuito de evadir a justiça e frustrar o trabalho policial. Os veículos são prontamente vendidos, “depenados” por peças ou utilizados em outras atividades criminais. A instalação de GPS e outras medidas de segurança são necessárias para um bom andamento do inquérito e rápida resolução do caso.
O presidente do Sindloc, Israel Protásio, explica que os empresários buscaram o apoio das autoridades locais para coibir a prática de apropriação indébita, com intermédio do deputado federal General Girão.
“Tivemos um aumento muito grande de ocorrências desde a pandemia, não só em Natal mas a nível de Brasil. As pequenas locadoras, que tem cinco a dez carros, se juntaram para buscar providências com as autoridades. Conversamos com o secretário de segurança, diretor geral do Detran e o comandante da Polícia Militar para fazer com que nesses casos ocorra um bloqueio de transferência no veículo”.
Também proprietário da Protour Locação, Israel aponta que a lei vigente não beneficia a busca e apreensão imediata dos veículos apropriados, pois para reaver seu patrimônio é preciso que a locadora entre com processo judicial já que a especificação da punição para a ocorrência ainda não é contemplada no Código Penal.
Após reunião com as autoridades do estado, a interpretação do artigo 168 permite que, nas abordagens policiais, o veículo seja identificado e devolvido.
“Para caracterizar a apropriação indébita, você não pode apresentar documentos falsos ou endereço incorreto porque já seria fraude, tipificado como outro crime. A apropriação indébita é feita por aquele pessoal que sabe que a lei não pune de imediato tão rigorosamente. Vão à locadora com documentos corretos, cartão de crédito muitas vezes pré-pago e conseguem alugar um carro. Uma pequena locadora, quando tem cinco carros, e isso acontece, já perdeu grande parte da sua frota. O prejuízo é muito grande. Depois da pandemia, esse nicho de ilicitude cresceu de uma maneira assustadora”, comenta o empresário.
Entre as vinte locadoras associadas e sindicalizadas no estado, cerca de cem veículos locados foram apropriados de forma indébita. Geralmente, veículos populares 1.0 são mais procurados, Gol, Ford Ka e Kwid como modelos específicos.
“Não quer dizer que os outros modelos também não são visados mas vemos esses com mais frequência. Na minha empresa, tivemos perda de oito veículos em 2021. Desses, conseguimos fazer o impedimento junto com as autoridades e já recuperei dois. Ambos estavam normais, apenas bastante rodados. Um foi pego no Pará e o outro em Pernambuco”, relata Israel.
Na Autolocadora Serra Dourada, foram cinco ocorrências do tipo em 2021 e todos os carros foram recuperados. Henrique Neves, diretor da empresa, disse que os destinos foram diversos; um veículo em Fortaleza, outro em Mossoró, Recife, Bahia e Rio de Janeiro. “Conseguimos reaver todos mas o de Fortaleza já estava no desmanche e voltou só os pedaços. O dono do local foi preso em flagrante e solto no outro dia na audiência de custódia. A atividade sofre como um todo com esse tipo de crime, nós trabalhamos com linhas mais populares mas levam de tudo. Tem quadrilha especializada até em roubo de caminhonetes”, encerra.