Assim como em países desenvolvidos, no Brasil o câncer já representa a primeira causa de morte (8% do total) por doença entre crianças e adolescentes de 1 a 19 anos. O Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima que, para cada ano do triênio 2020/2022, sejam diagnosticados no país 8.460 novos casos entre crianças e adolescentes – 4310 em meninos e 4150 em meninas. Nos Estados Unidos, a expectativa é de 10.500 novos casos em 2021.
Os tumores mais frequentes na infância e na adolescência são as leucemias, os que atingem o sistema nervoso central e os linfomas. Também acometem crianças e adolescentes o neuroblastoma (sistema nervoso periférico), o tumor de Wilms (rins), o retinoblastoma (tumor ocular), o tumor germinativo (das células que originam os ovários e os testículos), o osteossarcoma (ossos) e os sarcomas (tumores de partes moles).
Graças aos avanços no diagnóstico e tratamento nas últimas quatro décadas, hoje cerca de 80% das crianças e adolescentes afetados por câncer podem ser curados, se diagnosticados precocemente e tratados em centros especializados.
De maneira geral, esse é um aumento considerável, quando se pensa que em meados da década de 1970, a taxa de sobrevida em cinco anos era de apenas 58%. Tal melhora, no entanto, não é uma realidade na maioria dos países de baixa e média renda onde, de acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), tal taxa é de aproximadamente 20%. E onde, de maneira geral, as condições econômicas limitam o acesso a profissionais, sistemas e tecnologias compatíveis com os mais atualizados recursos para o diagnóstico e o tratamento do câncer.
Estudo realizado em 2021 mostrou que no Brasil as taxas de mortalidade por câncer infantil são em média o dobro dos Estados Unidos, a despeito de os índices de novos casos por ano serem muito semelhantes nos dois países – 8 mil e 10 mil, aproximadamente. E ainda há no país enormes desigualdades regionais, com concentração de altos índices de cura – acima de 80% – na região Sudeste.
Visão de especialista
Sidnei Epelman, oncologista pediatra, é Diretor do Serviço de Oncologia Pediátrica do Hospital Santa Marcelina, na zona leste de São Paulo, e Presidente da Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer TUCCA. O Hospital Santa Marcelina é uma referência no tratamento de crianças e adolescentes com câncer e conta com a parceria da TUCCA.
Epelman fala sobre as principais frentes para se ampliar os índices de sobrevida e cura do câncer infantojuvenil no Brasil.
- Como é possível aumentar os índices de sobrevida e cura do câncer infantojuvenil em todo o Brasil?
Dr. Epelman – É preciso promover uma espécie de proliferação dos pensamentos que regem os centros de maior sucesso. Pois é, sim, possível chegar a altos índices, se os recursos forem direcionados para as ações prioritárias para o diagnóstico precoce e assertivo e o encaminhamento correto para o tratamento adequado e atualizado do câncer infantojuvenil.
- Qual a primeira preocupação que se deve ter em relação ao diagnóstico do câncer infantojuvenil?
Dr. Epelman – Acesso ao diagnóstico precoce, correto e assertivo. Em primeiro lugar, são de suma importância as campanhas elucidativas para que pais, professores, profissionais de saúde e outros adultos identifiquem os primeiros sinais e sintomas e procurem um atendimento médico o mais rápido possível em casos de suspeita de câncer infantojuvenil. Em seguida, é necessário que os serviços estejam qualificados à luz do conhecimento atual para chegarem ao diagnóstico assertivo.
- E quanto aos médicos?
Dr. Epelman – É preciso capacitar médicos de várias áreas. Não apenas os especialistas alocados nos centros especializados, mas também os pediatras e outros profissionais de saúde, que atuam no atendimento primário. Eles devem ser orientados sobre os sinais e sintomas que podem indicar a presença de um câncer na criança ou adolescente. Quanto mais rapidamente os sintomas forem identificados, maiores as chances de cura.
- Como estamos no Brasil quanto ao tratamento adequado ao câncer infantojuvenil?
Dr. Epelman – Atualmente, poucos centros habilitados de oncologia pediátrica têm acesso aos anticorpos monoclonais, imunológicos quimioterápicos que fazem parte do novo arsenal terapêutico da oncologia personalizada. O acesso à terapia imunológica é uma estratégia fundamental para aumentar as chances de cura de pacientes com câncer. O desafio é que o acesso seja universalizado em todas as regiões e centros públicos de atenção à criança e adolescente com câncer do país.
- E quanto a investimentos em pesquisa?
Dr. Epelman – Uma das áreas fundamentais para se investir é a de pesquisa em patologia e biologia molecular. Alguns tipos de tumores mais comuns na infância e adolescência, como os tumores cerebrais, entre eles o meduloblastoma, podem ser melhor diagnosticados a partir de uma análise morfológica e molecular. Tal análise permite oferecer tratamentos individualizados, mais eficazes, menos tóxicos e de menor custo.
- Quais as principais peculiaridades do tratamento do câncer em crianças e adolescentes?
Dr. Epelman – A prática da oncologia pediátrica mostra que o tratamento de câncer deve levar em conta as peculiaridades do (a) paciente. Não apenas em função das características patológicas, mas também levando-se em consideração os aspectos emocionais, psicológicos e até socioeconômicos e de nível de escolaridade familiar. Assim, os centros especializados devem atuar sempre pensando em todo o entorno da criança, do adolescente – e de seus familiares -, com equipes multidisciplinares, que incluem também psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas e outras especialidades.