As divergências em torno dos decretos estabelecidos pela Prefeitura do Natal e pelo Governo do Estado afetou diretamente o mercado cultural e de entretenimento, que reclama das incertezas em relação às normas a serem seguidas e pede apoio para trabalhadores dos mais variados segmentos que compõem o setor. Por causa das dúvidas e temendo maiores prejuízos, produtores culturais da capital optaram por cancelar projetos que deveriam ser executados nos próximos dias ou meses.
É o caso de Jomardo Jomas. O produtor estava com quatro shows programados para os meses de fevereiro e março, mas optou por adiá-los em razão das divergências entre o Governo e a Prefeitura. “Tudo é uma grande incerteza, porque a gente não é chamado para discussões”, reclama, referindo-se aos mais recentes desdobramentos que envolvem a realização de eventos em Natal.
No último dia 18, o Governo do Estado recomendou, via decreto (Nº 31.265), a adoção obrigatória do passaporte vacinal para a circulação de pessoas em bares, restaurantes e centros de compras de qualquer porte que utilizem circulação artificial de ar. Da mesma maneira, o decreto prevê a obrigatoriedade da medida para os mesmos estabelecimentos com capacidade acima de 100 pessoas, mesmo que estes locais disponham de ventilação natural.
Na semana passada, um decreto da Prefeitura de Natal cancelava a adoção do passaporte vacinal nos estabelecimentos comerciais do Município e suspendia a realização de festas, shows e eventos comerciais privados no âmbito da capital. A notícia pegou os trabalhadores do setor de surpresa. Ainda na terça, a Prefeitura recuou e a realização de eventos, festas e shows privados no Município de Natal foi liberada.
Para o produtor cultural Amaury Junior, as divergências impactam profundamente o trabalho de artistas e empresários. “Como produtor e representante de entidades do setor, quero deixar bem claro que sou a favor da adoção do passaporte vacinal para a realização de eventos, mas, quando se diz que, nem com o passaporte a gente pode trabalhar, então, o que se pode fazer? Qual o método para permitir a continuidade das nossas atividades?”, questiona ele, que é presidente da Associação dos Produtores Culturais e Artísticos do Rio Grande do Norte (APCA RN) e coordenador regional da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape).
Segundo avalia, as divergências se tratam de questões políticas que tendem a penalizar o setor. “A Prefeitura reconheceu ter sido um equívoco o cancelamento de eventos privados, mas o impacto já tinha acontecido”, afirma. O próprio Amaury Junior já havia cancelado, antes de conversar com o prefeito Álvaro Dias, os projetos agendados na última semana
“Nós teríamos o show de Ana Cañas aqui em Natal, mas a própria artista tomou a iniciativa de adiamento. E no meio de toda essa confusão de decretos, como eu poderia ter tempo de comunicar que o show estaria confirmado ou não?”, questiona em tom de reclamação.
Com o cancelamento, o produtor ainda avalia uma nova data para a realização do evento. Já a peça Bolofofos, que ocorreria no último sábado, com produção de Amury, foi transferida para maio. Os dois projetos devem ser executados no Teatro Riachuelo.
Para Anderson Foca, produtor do Festival DoSol, a cena cultural da cidade é a que mais sofre desde a chegada da pandemia ao Estado em 2020. O produtor analisa que há uma inviabilização para o setor, por causa da falta de apoio do poder público. “Eu parei as atividades na terceira semana de fevereiro de 2020. Somente na penúltima semana de dezembro de 2021 é que nós voltamos com shows presenciais, ou seja, ficamos quase dois anos sem apresentações”, desabafa.
A programação do Festival DoSol, prevista para este mês de janeiro, foi adiada para abril. “Eu achei por bem adiar o evento para cooperar com o combate à pandemia. Nós sentimos uma insegurança logística e sanitária muito grande e adiamos o evento independentemente de decreto”, conta. Para fevereiro, o produtor está com outro projeto agendado e diz que pretende se reestruturar para poder realizar o evento.
“Estamos com uma programação para o Bloco da Greiosa, que a gente quer realizar em um lugar aberto, mas com limitação de público. O espaço tem capacidade para 3 mil pessoas. Estamos nos programando para receber, no máximo 500. E tudo será feito com os cuidados recomendados (ciclo vacinal completo, máscara e álcool)”, pontua.
“Prejuízos incalculáveis”, dizem produtores
As instabilidades geradas no setor pelos decretos têm causado prejuízos classificados como “incalculáveis” para o setor cultural e de entretenimento de Natal, conforme avaliação dos produtores ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE. “Com o adiamento do DoSol para abril, alguns ingressos foram devolvidos, porque tem gente que não conseguirá comparecer ao evento na nova data”, afirma Anderson Foca, organizador do festival.
Mas não é apenas isso. As perdas atingem toda a cadeia do setor. “Os prejuízos são incalculáveis”, pontua Amaury Junior. “A gente gera muito emprego, renda e perspectivas. Somos teatro, dança, música, festival… E tudo isso atrai público e emprego. Nosso setor é a indústria que mais cresce no mundo e isso não está sendo levado em consideração”, comenta Jomardo Jomas, que cobra das autoridades apoio para os trabalhadores.
“Se é preciso sacrifícios, qual é a compensação para os trabalhadores ligados ao setor?”, questiona ele. Anderson Foca também se queixa da falta de incentivos. “O poder econômico da cultura é enorme e a gente precisa encontrar soluções para continuar cooperando com a sociedade tanto no sentido de suporte psicológico-emocional, como é nosso papel, quanto na parte econômica mesmo”, afirma.
Foca sugere que haja união do setor com o poder público para que soluções sejam encontradas, com o objetivo de consolidar o retorno das atividades, a exemplo do que aconteceu com os demais segmentos. “É preciso encontrar soluções. A exigência de participação de menos gente em eventos ou a obrigatoriedade de que as atividades ocorram em lugares abertos, podem ser uma alternativa”, indica.
Jomardo Jomas afirmou que tem conversado com colegas a fim de convocar uma reunião com os comitês científicos do Estado e de Natal para esclarecimentos sobre definições que devem ser adotadas para tornar a realização de eventos mais segura. “Não temos data prevista para pedir essa reunião, mas tenho me articulado com o setor para que essa discussão aconteça, porque temos muitas dúvidas e incertezas em relação à questão”.