Foto: Ulises Ruiz/AFP.
O advogado Cristóbal Martell Pérez-Alcalde, especialista em direito penal e o responsável pela defesa de Daniel Alves, disse neste domingo (19) à Folha que o caso do também brasileiro Robinho dificulta o pedido de liberdade de seu cliente.
O lateral, 39, é acusado de ter estuprado uma jovem de 23 anos na área VIP de uma boate de Barcelona no dia 31 de dezembro do ano passado. Desde 20 de janeiro, ele está preso no centro penitenciário Brians, na região metropolitana da mesma cidade.
Em sua primeira entrevista para um veículo de comunicação brasileiro desde que assumiu o caso, em janeiro, Pérez-Alcalde conta o que viu nas câmeras da boate, rebate a questão das diferentes versões e diz que baseia sua defesa em um ponto: não há lesão, segundo ele, compatível com estupro.
O advogado dá ainda detalhes sobre o sêmen encontrado e a descrição da tatuagem feita pela acusadora. Ironiza a advogada adversária por dizer que Daniel Alves poderia fugir num avião particular e diz que, se condenado, o jogador poderá passar 12 anos em uma cadeia espanhola.
Segundo o defensor, Daniel Alves é totalmente inocente e “ele tem a cabeça muito focada”.
Embora acredite que seu cliente possa ser colocado em liberdade nesta terça-feira (21) para acompanhar o restante das investigações em sua casa, em Barcelona, ele diz que o caso Robinho pesa contra o lateral — Robinho vive livre no Brasil apesar de ter sido condenado na Itália por estupro de uma jovem em uma boate de Milão em 2013.
Folha – Daniel Alves é inocente?
Pérez-Alcalde – É inocente. Totalmente inocente. O que houve foi uma relação sexual consentida.
Folha – Pesa contra ele o fato de ter mudado de versões algumas vezes, não?
Pérez-Alcalde – É certo que Daniel Alves deu um passo à frente e foi voluntariamente depor. Neste momento, ele tinha apenas uma obsessão, que era preservar seu casamento. Isso resultou em sua primeira versão. Alves só prestou depoimento uma vez e, nessa declaração, começou negando o fato. Diante de certas provas, acabou admitindo, mas sempre afirmando que houve o caráter voluntário da parceira, do encontro sexual com consentimento. Isso não foi modificado desde então.
Folha – Em sua opinião, o que as câmeras da boate mostram?
Pérez-Alcalde – A denúncia foi construída a partir de uma história verdadeiramente sombria, que é a vontade subjugada pela intimidação ambiental. Bom, as câmeras mostram por vinte longos minutos cinco jovens interagindo, dançando, dançando de uma forma mais ou menos sexualizada, mas felizes. Já se falou repetidamente sobre o reservado da área VIP. Reservado, reservado… Não, não é um reservado. É uma zona aberta. Ela é, sim, reservada ao público geral da discoteca, mas é uma zona onde cabem 70 pessoas. Ou seja, a ideia de reservado não é de algo fechado e enclausurado. Creio que essa nuance tem importância do ponto de vista de que se agia livremente ali e da negação radical da existência de intimidação ambiental.
Folha – Detalhes como o sêmen coletado e a tatuagem descrita por ela corroboram essa versão da defesa?
Pérez-Alcalde – O sêmen onde? Porque tem sêmen coletado em vários lugares. A amostra detectada na vagina não é determinante. Há outras amostras de sêmen no banheiro e na roupa dela, e são de Alves. Mas para nós isso não é a discussão. Porque houve sexo consensual. Assim é.
Folha – E quanto à tatuagem?
Pérez-Alcalde – Ela não a descreve exatamente, mas tampouco entendemos que isso oferece um problema se estivermos em um contexto de ato sexual consensual.
Folha – Neste caso, por que a acusadora disse que não quer dinheiro, mas sim que ele vá para a cadeia?
Pérez-Alcalde – Processualmente, esta declaração de não querer indenização não é definitiva. O processo passará por outros momentos e no momento de qualificação, de formalizar a acusação, ela terá a ocasião de pedir o dinheiro.
Folha – E quando acontece essa formalização?
Pérez-Alcalde – Encerrada a investigação e com todo o material reunido, a parte é encaminhada para fazer a denúncia, citar o crime, solicitar uma sentença e, eventualmente, pedir uma indenização. Ainda está por vir. Ela pode pedir ou não pedir.
Folha – Quanto tempo esse processo pode durar?
Pérez-Alcalde – É difícil dizer, pois alguns tribunais são mais rápidos do que outros. E o tribunal que julgará Daniel ainda é desconhecido. Agora ainda estamos na fase de investigação. Mas no cenário temporal, vejo um horizonte entre dez meses e um ano, no mínimo.
Folha – E quanto ao pedido para que ele fique em liberdade?
Pérez-Alcalde – Acho que descobriremos na terça (21).
Folha – Quais são as chances de Daniel Alves ser solto na terça-feira?
Pérez-Alcalde – É muito difícil fazer um prognóstico. Mas gostaria de fazer a seguinte consideração: a prisão preventiva não é uma sentença antecipada. Daniel Alves ainda não está sendo julgado. Ela serve simplesmente para garantir que o processo continue e que a pessoa esteja à disposição do tribunal para enfrentar o que quer que seja.
Folha – E para que serve a prisão preventiva de Daniel Alves?
Pérez-Alcalde – Para evitar o risco de fuga. Há previsão de fuga? Acho que não, Daniel Alves se comportou de forma positiva e voluntária ao ir à polícia quando soube que havia um processo judicial. Ele voltou do México para testemunhar. Não é verdade que esteve na Espanha apenas por causa da morte da sogra. Desde o dia 11 de janeiro, ele já falava com sua advogada. Emails já eram trocados com a polícia espanhola para marcar um encontro. A questão é se Daniel Alves tem raízes na Espanha. Ele é casado com uma espanhola. Sua residência desde 2010 é a Espanha. Ele já viajou o mundo, mas está registrado em um município espanhol. Suas duas empresas mais importantes, a imobiliária e a que administra seus direitos de imagem, estão em Barcelona e seus funcionários são espanhóis. Ou seja, acredito que o enraizamento com Daniel Alves em Barcelona é muito importante. O que o tribunal vai decidir? Com sensatez, deveria ser favorável à liberdade de Daniel Alves. É verdade que o momento não é o melhor possível. Na Espanha, vive-se um momento muito conturbado no qual os crimes sexuais estão nas primeiras páginas dos jornais. E Daniel Alves é um personagem simbólico
Folha – Então, se o libertarem, isso não significa que ele está sendo considerado inocente, certo?
Pérez-Alcalde – Exatamente. São duas discussões diferentes. Na verdade, o que ele quer é provar sua inocência, não iniciar uma aventura de fuga.
Folha – Isso lembraria a situação de Robinho, certo?
Pérez-Alcalde – Claro, essa coisa do Robinho não nos ajuda. O Brasil, como tantos outros países, também a Espanha, não entrega seus cidadãos. Além disso, o faz por um imperativo constitucional. O artigo 5º da Constituição Federal do Brasil proíbe a entrega de nacionais por crimes dessa natureza. Eu não conheço o caso de Robinho bem o suficiente. Não quero me pronunciar, nem posso, nem devo. Mas, de fato, o fato de a Itália, até hoje, não ter tido sucesso no cumprimento da sentença de Robinho não ajuda a liberdade provisória de Daniel Alves. Mas isso não pode ser um argumento definitivo. Isso não significa um espaço de impunidade.
O Estado não entrega o cidadão, mas, correlativamente, compromete-se a que o cidadão que foi condenado no estrangeiro possa ser julgado no seu próprio território ou cumprir a pena estrangeira no seu território. Este é o conteúdo completo do sistema internacional de não entrega de cidadãos. E isso é o que as pessoas não explicam.
Folha – Mas Robinho não está cumprindo nada no Brasil.
Pérez-Alcalde – Mas a Itália pedirá ao Brasil que Robinho cumpra a pena e o Brasil estudará o processo e verá se as garantias de acusação foram atendidas e existe a possibilidade de o brasileiro cumprir a pena estrangeira em território brasileiro. Mas não posso falar sobre o problema do Robinho. Digamos apenas que me referi ao caso de forma abstrata.
Folha – O passaporte da Daniel Alves já foi entregue à Justiça espanhola?
Pérez-Alcalde – Oferecemos seus passaportes. Daniel Alves tem dupla nacionalidade e nós os oferecemos, o brasileiro e o espanhol.
Na semana passada, a advogada de acusação disse temer que Daniel Alves fuja em um avião particular. Sim, muito bom. Muito bom [irônico]. Como se os aviões particulares não estivessem sujeitos à navegação aérea e às leis policiais, como estão. É um absurdo. Isso faz parte do circo e do espetáculo.
Folha – Não é possível viajar num avião particular sem passaporte?
Pérez-Alcalde – Não sem passaporte. Os aviões privados também têm controles alfandegários. É apenas um argumento feito para o circo da mídia.
Folha – Como está a moral de Daniel Alves na prisão?
Pérez-Alcalde – Daniel Alves tem a cabeça muito focada. É quase como se fosse ele quem me animasse. E quando nos despedimos na sexta-feira, ele me disse “estou em paz porque sei a verdade”.
Folha – Ele disse algo ao senhor sobre encerrar a carreira futebolística?
Pérez-Alcalde – Não conversamos sobre isso. Sinto muito.
Folha – Se esse caso tivesse ocorrido há um ano, antes da lei Só Sim É Sim, o que mudaria juridicamente?
Pérez-Alcalde – Não mudaria legalmente porque a discussão ainda seria a mesma, que é se houve consentimento ou não. O que mudou foi o ambiente. A pressão social, a tensão sociológica, a atenção especial para esses fatos que estão todos os dias nos jornais, pois a nova a lei tem sido muito discutida, muito debatida. Mas nada mudaria porque, insisto, a discussão é sobre o consentimento.
Folha – Mas e a pena, não aumentou após essa lei?
Pérez-Alcalde – Bem, sim, claro. As margens de penalidade podem ser menores, até.
Folha – Na pior das hipóteses, de quanto tempo seria a sentença de Daniel Alves?
Pérez-Alcalde – Se ele for condenado, de quatro anos, no mínimo, a 12 anos, no máximo.
Folha – Obrigado pela entrevista.
Pérez-Alcalde – Só queria fazer três reflexões, sim? São sobre provas indiscutíveis. Um, a vítima não tem lesões vaginais. Dois, a vítima não tem lesões de redução. Lesão de redução acontece quando alguém é impedido de se mover. Se te pegam com força pelo braço ou pelo pulso, vai deixar lesões. Ela não tem esses ferimentos. E três, mesmo que ela tenha dito que Daniel Alves a esbofeteou, ela também não apresenta essa lesão. O que ela tem é uma ferimento no joelho. Mas uma lesão no joelho é compatível com sexo consensual.
Por Folha de São Paulo.