Verba destinada a mulheres e negros irrigou campanhas de homens brancos

Foto: Reprodução/Facebook

Na primeira eleição em que funcionou a divisão equalitária de verba eleitoral com recorte de gênero e raça, ao menos 149 candidaturas de mulheres e negros doaram parte ou quase toda a verba pública de campanha a 222 candidatos brancos, que não poderiam usufruir como quisessem desse dinheiro, aponta um levantamento exclusivo do UOL nas bases do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

A lei eleitoral estipula que o dinheiro faz parte de uma ação afirmativa direcionada a candidaturas de homens pretos e pardos e mulheres. Por isso, não pode ser dividido com candidatos homens, a não ser que beneficie as duas campanhas, o que foi pouco notado pela reportagem. Nesses casos, especialistas avaliam que a legislação prevê restituição ao Tesouro Público e até a perda do mandato.

A soma do dinheiro doado sem a justificativa chegou a R$ 10,2 milhões, 69.54% dos cerca de R$ 14,75 milhões enviados em 248 doações a candidatos homens brancos por cotistas com dinheiro do FEFC (Fundo Especial de Financiamento e Campanha), o Fundo Eleitoral. Este dinheiro foi enviado por 61 mulheres (R$ 2,7 milhões) e por 88 candidatos negros (R$ 7,5 milhões).

Por que a prática pode ser ilícita?

Permitida pelo TSE, a doação entre candidatos precisa especificar a origem do recurso e sinalizar os documentos de transferência.

Pessoas contempladas pelas cotas podem contribuir com outros candidatos desde que as despesas as beneficiem. Exemplo desse retorno são as campanhas “casadas”, com a presença dos dois em santinhos, cards de redes sociais, fotografias, áudios, vídeos ou aparições em programas de TV.

Como as candidaturas concluídas no primeiro turno tiveram de prestar as contas finais até o dia 1º de novembro e para devolver a verba não usada do fundão ao Tesouro Nacional, já é possível saber quem obedeceu a regra.

Os cinco homens brancos que mais usaram a verba delas

O governador eleito do Pará Helder Barbalho (MDB-PA) é o líder do top 5 de candidatos brancos homens que mais gozaram do FEFC destinado a candidaturas femininas e não detalharam totalmente como gastaram o dinheiro.

Foram R$ 300 mil recebidos de sua mãe, Elcione Therezinha Zahluth Barbalho (MDB), que se elegeu deputada federal também pelo Pará. Destinatária de R$ 2,5 milhões do FEFC, ela foi a mulher que doou o valor mais alto a um candidato branco.

Eleito no primeiro turno, Helder citou gasto de R$ 232.910 em campanha impressa “casada” com a mãe, mas não revelou como aplicou os R$ 67.090 restantes. Na relação das dívidas, Helder ainda precisa quitar R$ 1.204.733,34, mas não há menção sobre devolução da verba que sobrou da doação da deputada federal eleita.

Próximo da lista, o deputado estadual eleito Cirone Deiró (União Brasil-RO) recebeu R$ 135 mil de Mary Braganhol (União Brasil), que não se elegeu para deputada federal pelo mesmo estado e foi a chefe de gabinete dele na Assembleia Legislativa de Rondônia.

Em terceiro lugar, o ex-BBB Adrilles Jorge (PTB-SP), que não se elegeu para a Câmara dos Deputados, obteve R$ 133 mil de Cris Godoy (PTB) e R$ 125 mil de Valéria Bernardo (PTB), ambas candidatas não eleitas à Assembleia Legislativa de São Paulo. Em sua prestação de contas, Adrilles não informa como usou o dinheiro. Além disso, o candidato possui uma dívida de R$ 63.494,15 registrada nos dados abertos do TSE.

O quarto do ranking é Mitter Mayer Volpasso Borges (PP), deputado estadual suplente do Espírito Santo que obteve R$ 110 mil da mãe, Gesyane Rodrigues Volpasso Borges, a Nane (PP), deputada federal suplente pelo mesmo estado. Enquanto ele recebeu 1.804 votos, ela, que usou R$ 524.066,04 para campanha, obteve só 1.107.

O último dos cinco homens brancos que mais receberam recursos do FEFC feminino é Jairo Lima da Silva, o pastor Jairinho (União Brasil). Candidato a deputado federal por Pernambuco não eleito, ele recebeu R$ 100 mil de Socorro Pimentel (União Brasil), que concorreu sem sucesso à Assembleia Legislativa pernambucana. Até o momento, ele não entregou a prestação de contas.

UOL