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“O recurso à imposição de sigilos foi usado como forma de manter ocultas circunstâncias vinculadas à conduta de autoridades e integrantes próximos ao círculo do poder, sob falso pretexto de proteção da segurança nacional e segurança do Presidente da República, seus familiares, apoiadores e auxiliares diretos”, critica o relatório, que propõe inclusive a revogação de todos os sigilos considerados indevidos.
Contudo, em um de seus atos públicos mais relevantes após a vitória – a divulgação do resultado dos trabalhos da equipe das centenas de pessoas que trabalharam na transição do governo, a equipe de Lula também decidiu impor sigilo à maior parte do material.
Ao longo de sete semanas, os integrantes dos 32 grupos de trabalho fizeram inúmeras reuniões, coletaram documentos e deram entrevistas se dizendo chocados com o que haviam encontrado – na Saúde, na Educação, na Energia e em quase todos os setores do governo.
Nessas entrevistas, vários deles prometeram detalhar seus achados em relatórios que seriam depois disponibilizados ao público. Suas declarações ganharam manchetes, mas os documentos que os detalham não foram e nem serão divulgados.
À equipe da coluna um integrante desses grupos de trabalho da transição disse que o clima interno era de “desconfiança”. “Inclusive sentimos certo assédio moral. Diante do sigilo descabido de questões de interesse público, a sensação é a de que trabalhávamos para Aloizio Mercadante brilhar”, afirmou.
O que foi tornado público na última quinta-feira foi um resumo sintético do diagnóstico desses grupos, um documento de 100 páginas em que cada tema ocupa uma ou duas páginas.
Segundo membros da equipe de transição ouvidos pela equipe da coluna, o sigilo foi regra estabelecida pelo coordenador do programa de transição, Aloizio Mercadante. Só os ministros poderão conhecer todo o conteúdo dos relatórios de sua área.
Uma das justificativas para o segredo é que o time teve acesso a dados sensíveis e confidenciais de vários órgãos do governo e tem a obrigação legal de preservá-los.
Consta no documento geral divulgado na quinta que “alguns destes documentos contêm informações reservadas pela LAI (Lei de Acesso à Informação) e LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), como no caso de Defesa e Inteligência”.
Nem tudo o que se apurou é sigiloso, porém.
Muitos dados coletados foram expostos nas próprias entrevistas. Por exemplo, a estimativa de que o governo Lula herdará um passivo de R$ 500 bilhões na área de energia, majoritariamente por conta das emendas-jabuti incluídas na lei de privatização da Eletrobras.
Na entrevista concedida no último dia 8, os membros do grupo de transição prometeram detalhar esse passivo e explicar o que pretendiam fazer para mitigá-lo.
Desde então, a equipe da coluna vem solicitando acesso ao relatório do grupo, sem obter nem sequer uma resposta.
No relatório final, o item energia faz recomendações relevantes mas genéricas, como a que diz que “inquieta e deve ser foco de atenção a perda por parte da União da capacidade de influenciar os rumos da Eletrobras, apesar de continuar a ser o maior acionista da empresa.”
Não há no documento, porém, nenhuma sugestão do que deva ser feito para aplacar essa inquietação dos lulistas.
A Eletrobras não está citada no trecho que prevê a revogação dos processos de privatização de empresas estatais, e nem há qualquer proposta a respeito da companhia.
Segundo o documento geral, a recomendação é manter o controle de seis estatais, parando os processos de privatização que já estiverem em curso: Petrobras, Correios, EBC, Nuclep, PPSA e Conab.
No relatório da transição fica claro que os documentos específicos de cada área contêm bem mais do que dados protegidos por sigilo legal.
Segundo o texto, eles apontam as “principais emergências orçamentárias, alertas acerca de programas e políticas que demandam ação imediata, atos normativos que devem ser revogados ou reformulados, avaliação de programas e políticas de cada área de atuação governamental, e sugestões de estruturas organizacionais mais adequadas para os desafios do novo governo”.
Na campanha, Lula garantiu diversas vezes que iria revogar o sigilo imposto por Bolsonaro a atos de seu governo. A proposta está expressa no relatório geral da transição, incluindo a abertura de dados pessoais usados de forma “indiscriminada e indevida”.
No debate da Bandeirantes, Lula ainda provocou Bolsonaro: “Eu vou ganhar as eleições, e quando chegar o dia primeiro de janeiro, eu vou pegar seu sigilo e vou botar o povo brasileiro para saber por que você esconde tanta coisa. Afinal de contas, se é bom, não precisa esconder.”
Por enquanto, a promessa de campanha ainda está por ser cumprida.
A ver se, depois que tomar posse, Lula revoga todos os sigilos indevidos, incluindo os de seu governo.
O Globo – Malu Gaspar