A ampliação e a obrigatoriedade na oferta de creches para crianças de 0 a 3 anos no Rio Grande do Norte, matéria que está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF), pode gerar um impacto de até R$ 1,9 bilhão por ano nos municípios potiguares, segundo cálculos divulgados pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). A conta é feita levando em consideração um cenário de absorção integral por parte dos municípios na disponibilização do serviço, sem cofinanciamento. Atualmente, segundo dados do Censo Escolar de 2021, o RN oferta 42.341 matrículas nos municípios, tendo uma demanda de 190.063 crianças entre 0 a 3 anos, índice de 22% e longe da meta estabelecida em 2014.
As creches ainda não são uma etapa obrigatória de oferta na educação infantil no Brasil, mas já há perspectivas de ampliação e metas estabelecidas no Plano Nacional da Educação (PNE) estabelecido em 2014. A primeira meta era de ampliar a oferta de educação infantil em creches para 50% das crianças até 03 anos.
De acordo com o estudo da CNM, para se atingir a meta de 50% estabelecida no PNE, os municípios do RN poderiam ter um impacto de R$ 627 milhões, podendo chegar a R$ 1,9 bilhão caso fizessem a absorção integral de 100% da demanda.
O caso teve seu julgamento iniciado no último dia 08 de setembro. A ação, que trata de um recurso extraordinário, foi movida pela prefeitura de Criciúma (SC) sobre a obrigatoriedade do poder público de oferecer e garantir vagas em creches e pré-escolas para crianças de 0 a 5 anos.
O Censo Escolar de 2021 apontou que 3,4 milhões de crianças são atendidas pelas creches no país. Estimativas da CNM apontam que o custo médio de manutenção das crianças na creche atualmente já se aproxima de R$ 50 bilhões/ano, dos quais R$ 35 bilhões estão sob responsabilidade dos Municípios. Para matricular 50% das crianças nas creches seria necessária a abertura de 2,6 milhões de novas vagas. O atendimento de 100% das crianças nessa faixa etária requereria a criação de 8,4 milhões de vagas, o que corresponde a 71% da estimativa de população da faixa etária para 2021.
“Os entes municipais devem disponibilizar vagas na creche para quem efetivamente precisa e não tem condições de pagar, de acordo com a realidade local. Por fim, a CNM entende que a oferta dessa etapa não obrigatória da educação básica deve estar de acordo com o orçamento das políticas públicas municipais”, diz nota.
Para a secretária de Educação de Natal, Cristina Diniz, a questão envolve ainda o fato de que muitos pais não têm interesse em colocar suas crianças nessa idade sob responsabilidade de escolas.
“A polêmica é que a creche é para crianças de 0 a 3 anos e 11 meses de idade. Muitas famílias não desejam colocar seus filhos na creche tão pequenininhos, principalmente nas etapas que chamamos de berçários. Algumas famílias mais abastadas, que têm com quem deixar a criança, é uma opção. E o município oferece aquele número de vagas para as creches. Ele dispõe depois de deixar a vaga destinadas às pré-escolas”, cita Diniz.
Para a especialista e doutora em educação e práticas pedagógicas, Cláudia Santa Rosa, os municípios precisam começar a se planejar para começar a implementar a obrigatoriedade, tendência que deve se confirmar.
“O problema é a dificuldade de estruturarmos políticas públicas para área de educação com continuidade e de forma antecipada. Um plano que nasceu em 2014 e que já era para esses municípios estarem trabalhando para cumprir essa meta, de forma mais organizada, com planejamento e cumprimento gradativo, nesse momento estamos todos vendo se aproximar o final da meta e ainda falta muito para se fazer”, comenta, criticando a promulgação da lei que isentou gestores pela não aplicação de percentuais mínimos de gastos em educação em 2020 e 2021, devido à interrupção das aulas durante a pandemia.
A especialista acrescenta ainda que as creches têm importância fundamental no desenvolvimento cognitivo e social das crianças. “Só vamos conseguir dar o salto que todos desejam quando realmente for prioridade essa criança ser estimulada ao seu processo de desenvolvimento, nutrição, for desde cedo, como acontece com crianças de família de classe média, classe alta, que desde cedo, já recebe estímulos”, explica.
Natal
De acordo com a Secretaria de Educação de Natal (SME), a cidade hoje conta com uma oferta de 85% da demanda de creches que surgem anualmente. Para 2022, por exemplo, foram 7.352 solicitações de matrículas, porém, cerca de 500 delas ficaram sem vagas. Atualmente, são 74 Centros Municipais de Educação Infantil, sendo 25 exclusivamente creches, com o restante das unidades oferecendo tanto creche quanto pré-escola.
“Esse número às vezes pode ser maior que esses 500 porque às vezes temos a vaga, mas não temos naquele CMEI que os pais desejam, que seja perto de casa ou trabalho. Então fica às vezes essa vaga sem ser preenchida”, comenta a secretária Cristina Diniz.
Segundo a titular da pasta, Cristina Diniz, há pelo menos quatro projetos em andamento para se ampliar vagas em creches na capital, um deles com perspectiva de entrega ainda em 2022, no bairro Guarapes, zona Oeste. A obra, 75% finalizada, custa R$ 2,4 milhões, recursos do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE). Nos outros casos, o CMEI Dix Sept-Rosado já está com 60% executada e custará R$ 1,613 milhão. Há perspectivas ainda de dois CMEIs na zona Norte, no bairro Nossa Senhora da Apresentação.
A secretária da pasta, Cristina Diniz, explica que a demanda pode estar subnotificada e a Prefeitura do Natal assinou protocolo de intenções para busca ativa para crianças de todas as idades, para dimensionar o tamanho do universo de necessidades de vagas em creches.
A maior dificuldade que os municípios têm enfrentado, e preocupa também essa questão da obrigatoriedade com essa matéria do STF, porque precisaríamos de mais recursos e infraestrutura. Até 2014, tínhamos incentivos do Governo Federal a creches e pró-infância. Algumas, inclusive, foram construídas, mas essa política não teve continuidade em relação à infraestrutura”, analisa a presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação no Rio Grande do Norte (Undime), Joaria Vieira.
A dirigente comenta ainda que, atualmente, o Governo Federal custeia parte da merenda das crianças. A perspectiva ainda é de que o incentivo no novo Fundebno Valor Anual Total por Aluno (VAAT), possa contribuir com melhorias. Para isso, os estados precisam criar uma lei de regime de colaboração, com parte do ICMS sendo encaminhado para a educação, já sancionada pelo governo estadual. O valor é redividido por etapa de ensino, sendo destinado 50% exclusivamente para investimentos ao ensino infantil.
“Em nome da Undime, ofertar essas vagas para as crianças ajudaria os pais que trabalham fora, mas infelizmente o impacto financeiro tanto da questão de merenda, porque na creche são duas refeições, por exemplo. O impacto financeiro é alto”, afirma.
Na realidade de sua cidade, Rio do Fogo/RN, a 79km de Natal, há apenas uma creche que atende 100 crianças. Ela comenta que há uma demanda reprimida na zona rural e nas áreas das praias. Há perspectiva de um projeto se iniciar em 2023 para a praia de Zumbi, segundo ela.
Na cidade de Riachuelo, agreste potiguar, a 71 km de Natal, a situação também é de dificuldades. Segundo o secretário, Rômulo Araújo Basílio, a atual creche oferece 175 vagas em dois turnos, mas também há dificuldades de demanda reprimida no município.
“Essa creche só tem cinco salas de aula. Só temos ela na zona urbana. Com relação a creche, teríamos como ampliar, mas não temos infraestrutura suficiente para atender. Uma grande dificuldade é que, temos essa creche no centro da cidade, e temos um bairro muito populoso e precisamos transportá-los de um bairro para outro. Se tivéssemos outra creche, teríamos atendimento bem maior.
“Nós temos um projeto para ver se conseguimos abrir outra creche, mas hoje tudo é pelo Governo Federal, tem que ser através de emendas. Estamos pleiteando justamente para esse bairro. É uma demanda reprimida, acredito que de mais de 200 alunos. O município por si só não tem como construir”, estima.