Coletivos esportivos LGBT+ avançam, mas preconceito ainda é forte

A população LGBT+ vem conquistando espaço no esporte de diferentes formas nos últimos anos. Uma delas é pelo aumento da representatividade a partir de ídolos como Marta, Douglas Souza, Carol Gattaz, Tiffany Abreu e Ana Marcela Cunha. Outra frente é o crescimento dos coletivos no esporte amador. Atualmente, 58 grupos se encontram regularmente para jogar futebol, vôlei e até esgrima e rúgbi. São grupos que unem a diversidade sexual e o acesso ao esporte.

O número faz parte de um mapeamento inédito realizado pela organização não-governamental Nix Diversidade, com apoio da Nike para promover a inclusão no esporte. O número de coletivos, no entanto, é dinâmico e interativo, pois os visitantes podem atualizar a ferramenta digital indicando outras iniciativas. Os coletivos disputam torneios entre si, mas também competições tradicionais do esporte amador (mulheres trans nos femininos e homens trans nos masculinos, por exemplo)
Além do mapeamento, a pesquisa “Diversidade & Inclusão no Esporte – estudo sobre as conquistas e os desafios da comunidade LGBTQIA+ no Brasil” mostra como são grandes os desafios dos coletivos. Em um levantamento com 1037 pessoas, 63,5% relataram que já foram discriminados ou presenciaram algum membro da sua comunidade sendo discriminado ao praticar esporte. Além disso, 42,8% não têm acesso ao esporte por diferentes motivos, entre eles, os relatos de homofobia (18%). O levantamento foi realizado entre agosto e outubro de 2021.
“Nos últimos anos, houve um aumento expressivo de coletivos inclusivos de esporte amador no Brasil. Dar visibilidade a esses avanços é fundamental para fomentar mais iniciativas, atrair participantes e trazer mais apoio para a comunidade”, relata Fabrício Addeo Ramos, coordenador do levantamento e diretor da Nix Diversidade.
Os perfis dos coletivos variam. Alguns preferem manter equipes únicas, como os homens transexuais do time Meninos Bons de Bola. O Estadão encontrou o grupo pela primeira vez em outubro de 2017 Organizador do coletivo, Raphael Henrique Martins é um homem transexual, ou seja, ele nasceu como mulher, mas se identifica com o gênero masculino. Por isso, fez cirurgia para a retirada dos seios e tratamento hormonal para o crescimento de pelos e mudança na voz. No futebol, ele não queria jogar no time das meninas, pois não se sentia como elas. Por outro lado, era discriminado entre os meninos. Por isso, ele reuniu pessoas com expectativas semelhantes em relação à orientação sexual e identidade de gênero e criou seu próprio time. Há outros times com equipes mistas, com homens cis e transgêne
ros, como o grupo de rúgbi Tamanduás Bandeira.
Também existem equipes diferentes dentro do mesmo coletivo, cada uma com seu perfil. Um dos pioneiros no esporte inclusivo do Brasil, o AngelsVolley, nasceu em 2008 como um grupo de amigos gays que procuravam um local acolhedor e seguro para jogar vôlei Era, portanto, uma equipe masculina homossexual cisgênera. Por meio de ações comunitárias, principalmente em regiões periféricas, o grupo cresceu e hoje conta com 160 atletas. A expansão facilitou a criação de uma equipe feminina transexual. Atualmente, o time lidera a mobilização contra a LGBTfobia no esporte. Por meio de parcerias, oferece serviços de saúde e de capacitação profissional.
“A sigla ‘T’ é a mais vulnerável da nossa sigla LGBTQIA+. Muitas sofrem com a evasão escolar, abandono familiar e dificuldade do mercado formal de trabalho. Para muitas, a prostituição nunca foi uma escolha”, diz Willy Montmann, ativista e idealizador do coletivo inclusivo Angels Volley. “Hoje, o Angels é uma rede de acolhimento também”, completa.
A trajetória da travesti Mikaella Reis, de 30 anos, exemplifica essas dificuldades. Depois de deixar Belém, do Pará, atrás de mais oportunidades de trabalho em 2014, a jogadora do Angels Volley viveu seis anos em situação de prostituição em São Paulo com episódios de violência física e emocional. Foi o esporte que começou a abrir portas. Nos treinos semanais, ela conta que se sentiu acolhida em um “encontro de amigas”, como define. Por meio dos contatos, conseguiu finalmente as oportunidades profissionais. Hoje, ela é estudante de Enfermagem e educadora de pares na Coordenadoria Municipal de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e à Aids na Prefeitura de São Paulo, além de professora voluntária do projeto Transconvida, voltado para a capacitação de pessoas trans. “Eu me sinto incluída. O esporte foi um divisor de águas que me permitiu ser a voz de uma comunidade invisibilizada”, diz Mikaella.
Os coletivos também ajudam na superação dos dramas individuais, a maioria deles ligado ao preconceito e à discriminação. Raphael Martins conta que os atletas do Meninos Bons de Bola já foram expulsos de locais públicos por causa de transfobia. Mikaella conta que foi proibida de participar de um torneio de vôlei no Guarujá, litoral paulista, no ano passado, porque não tinha os documentos com a chamada retificação, com a mudança de nome e gênero.
“Pessoas LGBT+ dificilmente encontram espaços nos times tradicionais que, quase sempre, são hetero-normativos. Por isso, criam outros grupos. Isso ganha visibilidade e fortalece outras pessoas. É um efeito em rede”, diz a psicóloga e pesquisadora Moira Escorse.
ÚLTIMA BARREIRA
Além do avanço dos coletivos, Ramos considera a realização de mais competições e eventos como outro aspecto importante para a inclusão. No fim de 2021, a Prefeitura de São Paulo realizou a 1ª edição dos Jogos LGBTQIAP+ com futsal, futebol e vôlei. O evento permitiu a reorganização de vários coletivos que haviam suspendido as atividades durante a pandemia. Foram quase 800 atletas participantes. “É importante também reconhecer o crescimento da agenda de diversidade & inclusão nas empresas”, completa o pesquisador.
Existe, no entanto, uma grande barreira para o esporte inclusivo no País: o futebol masculino profissional. Enquanto outras modalidades avançam rapidamente – entre a Olimpíada do Rio e a de Tóquio, o número de atletas que assumiram saltou de 5 para 15 -, o futebol permanece fechado à diversidade.
Moira explica que a presença de atletas no esporte de alta performance que se identificam como LGBT+ mostra para essa população que o ambiente esportivo também é seu lugar e que a inclusão na prática esportiva é possível sem renunciar à orientação sexual ou identidade de gênero. “A maior ruptura para a representatividade no Brasil será o surgimento de jogadores LGBTQIA+ no futebol profissional, em especial, nos times da Série A”, conclui.