Almoçar nos restaurantes de Natal ficou até 25% mais caro em um ano. O tradicional prato feito, que custava entre R$ 16 e R$ 17 em 2021, já é encontrado por R$ 20, conforme constatou a reportagem da TRIBUNA DO NORTE, que percorreu estabelecimentos em diferentes regiões da cidade. A alta acompanha a subida dos preços dos ingredientes que compõem o famoso “PF”, como feijão, arroz, macarrão, legumes e carne. Na capital potiguar, em doze meses, a cesta básica ficou 24,4% mais cara, segundo apurou o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese), em abril deste ano.
Para tentar sobreviver na crise, os proprietários de restaurantes populares se desdobram criando promoções, mudando cardápio, trocando ingredientes, oferecendo opções mais baratas e pesquisando cada vez mais nos supermercados e atacadões. O grande desafio é reduzir os custos, mas sem perder a qualidade do serviço e da comida. A manutenção do padrão de atendimento e a transparência com o cliente são aliados na hora de, inevitavelmente, repassar reajustes no preço final. “Conversamos com o cliente, explicamos o porquê dos aumentos e ele entende porque sabe como as coisas estão caras”, relata Márcia Cabral, que trabalha em um restaurante na Cidade Alta.
Na zona Sul, o almoço com preço fixo, que era de R$ 13 no período pré-pandemia, em 2019, é vendido a R$ 20. O prato com preço fixo passou por seguidos reajustes diante do constante aumento dos insumos nos supermercados, afirma Silvana Carvalho, uma das proprietárias do Coronel Mostarda, restaurante popular de Neópolis. No estabelecimento, que fica na Avenida Ayrton Senna, o PF era comercializado por R$ 16 no ano passado, mas passou para R$ 18 no início deste ano, até chegar aos R$ 20 atuais.
“É muito difícil porque o nosso restaurante é um restaurante popular, não podemos fugir disso. Nós aumentamos R$ 2 há uns três meses, mas não fez nem efeito. Não segura. Antes, a gente aumentava por ano, a cada oito meses, hoje não tem mais como. Como nosso estilo é esse [popular], a gente não consegue repassar porque senão afasta o cliente, mas está absolutamente difícil. Todos os dias é um preço diferente no supermercado, não tem mais aquilo de época, antigamente tinha aquilo de que se tivesse na safra baixava, se não tivesse, subia”, comenta a empresária.
Silvana afirma que uma das saídas encontradas para tentar driblar a alta inflacionária é pesquisar mais. “Eu saio daqui e faço uma rota por Mineirão, Sam’s Clube, Atacadão, Assaí, Superfácil, aí onde for mais barato eu compro. Fico rodando que nem barata tonta”, brinca. “O problema dessa rota é a gasolina. É isso e tirar coisas mais caras do buffet, como um corte mais nobre de carne, por exemplo”, complementa.
Silvana divide a administração com o marido Maurício. Os dois decidiram mudar o cardápio e criar opções menores de pratos feitos e quentinhas. “É uma alternativa, criamos uma ‘mini’ de R$ 9 para quem não tem condições de pagar os R$ 20 e temos o meio-termo, que são as quentinhas de R$ 16, R$ 18. Antigamente vinha a família comer aqui no espaço e aí cada um pagava pelo seu prato. Agora é comum que uma pessoa da família venha aqui faça uma ou duas quentinhas e leve para casa e aí lá faz a divisão. A gente percebe isso demais”, comenta.
Do outro lado da cidade, no bairro de Pajuçara, os funcionários de um restaurante, localizado na Avenida Dr. João Medeiros Filho, zona Norte de Natal, também tiveram que se adaptar à carestia para manter o funcionamento do estabelecimento sem afastar a clientela. Maria Fernanda, que trabalha na churrascaria há quatro anos, diz que de 2020 para cá, o preço do PF subiu de R$ 15 para R$ 20. O último reajuste ocorreu neste ano, quando o antigo preço de R$ 17, praticado em 2021, deu lugar aos atuais R$ 20.
“É muito caro, é absurdo porque está tudo aumentando. Todo mundo sente, a gente, o cliente, supermercado, aí não tem como manter”, diz a profissional. Ela explica que o estabelecimento passou por uma recente mudança no cardápio por causa da inflação. “A gente oferecia o churrasco e as carnes no buffet, mas agora tiramos as carnes e deixamos só o churrasco. Só colocamos as proteínas junto com o churrasco para o cliente nos fins de semanas. A situação está complicada”, comenta Fernanda, da Beniccio’s Grill.
A crise também afeta comportamento do cliente. A autônoma Clenilda Andréia diz que passou a frequentar menos o restaurante perto de casa, ela conta que prefere comprar uma quentinha por um valor menor do que comer dentro do estabelecimento. “O prato aqui está R$ 20, mas tem essas opções mais em conta de quentinhas por R$ 17. Colocando na ponta do lápis vale mais a pena, minha rotina como autônoma é assim, então nem sempre tenho tempo de fazer comida. A solução muitas vezes é essa”, pontua.
Criatividade e promoções para afastar a crise
Trabalhando no vermelho desde a reabertura após o período mais restritivo da pandemia, o Sadoche Restaurante, na Cidade Alta, zona Leste de Natal, lançou uma promoção para atrair mais clientes. Quem almoça no local antes das 12h e depois das 14h tem 10% de desconto na hora do pagamento, conta a gerente Márcia Cabral. “É uma tentativa de chamar o pessoal de volta, aqueles que comiam aqui e deixaram de comer por causa de algum aumento, por exemplo. A gente pensa que é uma forma justa de oferecer um benefício ao cliente”, diz.
Com o desconto, o preço do prato, que pode ser montado via self-service, cai de R$ 20 para R$ 18. O horário promocional tem atraído clientes, como o auxiliar financeiro Franklin Cirino, que trabalhar em uma clínica e almoça todos os dias no Sadoche. “Rapaz, infelizmente estamos vivendo com todos esses aumentos e aqui no restaurante não é diferente. Trabalho aqui na Jundiaí e aproveito esse desconto porque qualquer coisa já serve, a gente entende o lado também do restaurante, que faz o que pode para manter a qualidade e preço, mas é isso, no supermercado está tudo caro. Não tem para onde correr”, declara.
A gerente do Sadoche diz que o desafio é fazer economia no supermercado, procurando produtos de marcas menos conhecidas, por exemplo, mas sem comprometer a qualidade da comida oferecida. “É dessa forma que a gente tenta diminuir custos, tentando substituir o que era mais caro por algo que não seja de baixo padrão, mas que seja um pouco mais barato. Acho que todos estão fazendo algo parecido para ver se conseguem sobreviver porque o custo mensal não é só supermercado, entram energia, água, aluguel, material de limpeza, funcionários. É uma balança complicada”, diz.
Além das promoções, os restaurantes devem buscar variar seus cardápios e oferecer opções mais baratas ou menores, destaca Artur Fontes, diretor executivo da Associação de Bares e Restaurantes (Abrasel). “Diminuir o produto, o prato, por exemplo, não pega bem nesse segmento. Os clientes estão acostumados a comer aquele determinado prato que ele come sempre, no mesmo padrão. O que pode se fazer é variar o cardápio. Por exemplo, uma hamburgueria que vende um hambúrguer de 120g, pode oferecer uma outra versão de 70g, mas sem alterar aquela de 120g que o cliente já estava acostumado. Pode ser uma saída”, afirma Fontes.
Uma pesquisa da Associação de Bares e Restaurantes (Abrasel) revelou que dos bares e restaurantes do Rio Grande do Norte, 39% fecharam o mês de abril no vermelho e 30% registram lucro. No entanto, para 58% dos empreendimentos do Estado o faturamento do mês passado foi até maior do que o registrado em abril de 2021. Já 20% tiveram resultados abaixo, considerando o mesmo período. Em contrapartida, o mês de abril teve resultado diferente no panorama nacional. Entre os estabelecimentos de todo o País, 35% disseram ter trabalhado com lucro em abril, contra 28% em que registraram prejuízo.
Pesquisar é uma opção para fugir dos altos preços
O aumento verificado em Natal acompanha um levantamento do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), que mostrou que o prato feito subiu 23,5% no cenário nacional, no comparativo de maio de 2021 com maio último.
A entidade considera o Índice de Preços ao Consumidor Mercado (IPC-M) e leva em conta as variações de preços dos dez itens mais presentes no PF: arroz, feijão-preto, feijão-carioca, alface, batata-inglesa, cebola, tomate, frango em pedaços, ovos e carnes bovinas.
O especialista em mercado financeiro Henrique Souza diz que a melhor opção é mesmo a pesquisa, uma vez que os comerciantes sempre estarão suscetíveis às oscilações de preços.
“A composição de preços desses produtos, que são itens da cesta básica, os que puxam mais são os hortifrutigranjeiros. Tomate, cenoura, cebola, são considerados vilões nesses aspectos. Como são alimentos constantemente utilizados no preparo das refeições, o comerciante se vê numa situação, que, infelizmente, tem que passar para o consumidor final. Nesse aspecto, a alternativa que se tem é a busca por outros fornecedores diante da diversidade do mercado e das pesquisas que venham a ser realizadas”, explica Souza.
Os alimentos se tornaram o principal vilão da inflação brasileira — os preços gerais da economia subiram 12,13% nos últimos 12 meses, mas a alimentação no domicílio (que exclui comida comprada em restaurantes) subiu 16,12%. No último mês, a alimentação e transportes responderam por 80% da alta geral dos preços no País.