A rede municipal de ensino em Natal conta com aproximadamente 803 alunos diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA) matriculados. Em contato com a TRIBUNA DO NORTE, três mães de autistas contam suas experiências e apontam dificuldades na inclusão escolar de seus filhos em escolas municipais. Por lei, alunos autistas têm direito a um professor auxiliar em sala de aula, um Plano Educacional Individualizado (PEI) e Atendimento Escolar Especial (AEE).
Letícia Marques, 15 anos, foi diagnosticada com autismo aos nove anos de idade. Sua mãe, Monica, trabalha como professora de educação infantil e notou desde cedo diferenças no comportamento da filha. Quando pequena, a menina não verbalizava e não interagia com os colegas da escola. “Nos anos iniciais, as professoras só falavam que ela não verbalizava bem mas que era inteligente. Letícia não se comunicava com as outras crianças mas em relação ao conteúdo ela estava bem”, diz.
A jovem começou a estudar na rede municipal de Natal no terceiro ano do Ensino Fundamental. Passou pelas Escolas Municipais Almerinda Bezerra Furtado, Celestino Pimentel e Luiz Maranhão Filho. Apenas na última teve acesso ao Plano Educacional Individualizado (PEI) e essa preparação contribuiu para sua aprovação no IFRN. Letícia vai cursar o técnico de nível médio em Multimídia. Nas outras duas escolas, foi acompanhada pelo AEE mas nunca contou com auxiliar em sala de aula.
“Eu sempre ia atrás de acompanhamento e ela participou de alguns projetos mas nunca teve professor auxiliar. Agora, Letícia não tem tanta dificuldade como no início e já consegue. Com relação aos professores, ela sempre foi muito bem recebida mas senti dificuldade em uma escola que ela sofreu bullying. Tive que conversar com a coordenadora para fazer um trabalho com os adolescentes”, relata Monica.
Hector Ferreira também tem 15 anos e estuda na Escola Municipal João XXIII, localizada no bairro Alecrim, onde cursa o 9° ano do Ensino Fundamental II. Diagnosticado com autismo aos três anos de idade, o jovem é acompanhado por uma auxiliar em sala de aula para ajudar a interpretar o conteúdo e responder atividades. Sua mãe, Veluzia Ferreira, relata que trava uma luta anual para garantir os direitos de seu filho.
Segundo ela, falta um olhar de apoio diferenciado para entender as demandas necessárias. Veluzia defende que os profissionais do ambiente escolar tenham uma carga horária específica para aprender sobre autismo. “O município não dá suporte adequado, todo ano eu tenho que cobrar. Não sinto uma preparação da gestão e dos professores. Quanto aos outros alunos, também não vejo inclusão. Tive que explicar que ele precisava de atividades diferenciadas, não teve planejamento para isso”.
Em alguns momentos, Veluzia precisou acompanhar seu filho em sala de aula e notou a falta de inclusão. A mãe também conta que chamou uma representante da Secretaria Municipal de Educação para conhecer as necessidades das crianças na escola. “Do jeito que eu falei na escola, falei na frente dela porque ele necessita de um material diferenciado, precisa da auxiliar e todo ano eu tenho que estar nessa luta. Desde então, as coisas melhoraram um pouco”, diz.
Para Magaly de Lima, a experiência na rede municipal de ensino não foi um bom momento para seu filho Mateus Levi, de 12 anos. Em 2017, o menino estudou na Escola Municipal Palmira de Souza, bairro Potengi, e foi acompanhado em sala por um auxiliar e uma profissional de AEE, mas sua mãe considera que Mateus regrediu nesse período. Segundo ela, o PEI foi solicitado mas nunca foi entregue.
“Não tive problemas para conseguir o auxiliar, que era um estagiário, porém meu filho regrediu muito. Ele ficava boa parte do tempo passeando pela copa e pelos espaços comuns da escola. Coisas que ele já sabia escrever, passou a não saber mais. Lá, ele também tinha acesso a sala de AEE mas a profissional não conseguiu trabalhar com ele o que era preciso por acolher as vontades deles”, falou Magaly.
Atualmente, Mateus voltou para a rede de ensino particular e cursa o 7° ano sem precisar de auxiliar. Em tempos de avaliações e testes, o menino é acompanhado e orientado por um coordenador já que responde de forma oral. “As escolas precisam trabalhar a conscientização da comunidade escolar, acolher e incluir os alunos com necessidades especiais em todos os espaços e eventos da escola, dando suporte necessário e quando preciso”, comenta a mãe.
Suporte é essencial, dizem especialistas
A neuropsicóloga Samantha Maranhão explica que todas as crianças têm potencial de aprendizagem. Muitas vezes, o que diferencia um aluno autista para um neurotípico é a necessidade de suporte nesse processo. “Pensando no autismo como um espectro, existem diferentes níveis de gravidade. Temos o leve, moderado e o grave. Esse perfil estará muito associado ao nível cognitivo e, consequentemente, a funcionalidade desse aluno. O autista no nível grave, moderado e até leve, vai precisar de níveis de mediação, mas a potencialidade de aprendizagem é a mesma”, explica a profissional.
Os anos escolares compreendem um período em que jovens e crianças estão em pleno desenvolvimento neurológico. “São janelas de oportunidades”, diz a profissional do Instituto Santos Dumont (ISD). “Eles estão prontos e neurologicamente disponíveis para aprender. Com a mediação e orientação adequada, essa aprendizagem é melhor. As crianças vão desenvolver mais potencialidades. Se não tenho um mediador ou um currículo estruturado para aquela criança, é como se neurologicamente estivéssemos perdendo uma oportunidade de desenvolvimento”.
Conforme explica o mestre em Educação, Gustavo dos Santos, uma reflexão sobre a pratica desses direitos garantidos é necessária. “Hoje, algo que incomoda muito é ver que, na sua grande maioria, os professores auxiliares que vão realizar o atendimento com crianças autistas são estagiários. Isso é algo muito errado porque o estagiário está ali para aprender e a criança autista também. Elas precisam de um professor que tenha conhecimento específico na área”.
Segundo ele, todos esses mecanismos pedagógicos que a criança autista tem direito – PEI, AEE e professor auxiliar – precisam estar associados ao ensino e aprendizado, com a ideia de que a criança precisa construir conhecimento com esse professor. “É uma troca de saberes, aquela criança tem suas limitações e aprende de uma forma diferente. Não dá para trabalhar da mesma forma que trabalhamos de forma geral com a turma. Precisamos entender a necessidade de ter um profissional que domine a deficiência daquela criança”, comenta.
Poder público tenta oferecer acompanhamento
No município de Natal, não há presença de professores auxiliares para autistas em sala de aula. Quem acompanha esses alunos são os 1.375 estagiários de licenciatura contratados via Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), quando são demandados. Segundo a Secretaria Municipal de Educação (SME), um edital de convocação emergencial para o cargo de apoio escolar foi publicado, já na sua sexta chamada, e não houve interesse pelas empresas. A secretária adjunta Naire Capistrano confirmou que uma comissão interna foi formada para estudar e viabilizar a questão.
O município conta com 68 profissionais de Atendimento Escolar Especial (AEE), que atendem os alunos da rede nas 46 salas de recursos multifuncionais disponíveis na rede. “Desenvolvemos ações e programas com base na Política Nacional de Educação Especial numa perspectiva inclusiva, com um planos de atendimento educacional. Além disso, temos o setor de Educação Especial que é responsável pela formação continuada dos professores e pelo assessoramento pedagógico”, disse Capistrano.
Na rede pública estadual de ensino, o Rio Grande do Norte conta 1.298 estudantes diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Segundo a Secretaria de Estado da Educação (SEEC), o Rio Grande do Norte dispõe de aproximadamente 800 professores de Educação Especial que atuam em sala de aula com os estudantes com deficiência. Esses profissionais são tanto efetivos quanto temporários, mediante concurso seletivo. A Secretaria também informou que está em curso um processo seletivo de professores, incluindo vagas de Educação Especial.
Esses professores realizam a mediação do processo de ensino e aprendizagem dos estudantes público-alvo da educação especial, que necessitam de mais um apoio para avançarem em seu processo de escolarização. No Estado, o Plano Educacional Individualizado (PEI) é construído em colaboração entre os professores da etapa de ensino e da modalidade de educação especial, para os estudantes com autismo inseridos no Sistema Integrado de Gestão da Educação (SIGEDUC).
Segundo Maria do Carmo Sousa, da Subcoordenadoria de Educação Especial (SUESP/SEEC), mais 478 professores devem ser convocados ainda neste primeiro semestre. Atualmente, o RN conta com 157 salas de recursos multifuncionais para AEE e 340 professores para essa modalidade. “Defendemos o trabalho colaborativo como nosso referencial, todos somos responsáveis pelo processo de ensino e de aprendizagem. Temos estudantes que precisam de uma mediação mais individualizada nos anos iniciais, que desenvolvem e não necessitam mais de acompanhamento do mesmo modo”, diz.