TJRN tem mais de 11 mil processos de violência contra mulher esperando julgamento

Maria Silva era casada com João e tinha uma filha de colo. A relação já não era saudável, Maria era constantemente agredida física e psicologicamente pelo companheiro – principalmente quando João bebia. Um dia João voltou bêbado em casa – e começou a agredir a companheira com chutes nas pernas enquanto ela estava com a filha no colo. A agressão foi tão grande que ela passou alguns dias sem poder andar. Foi a gota d’água. Maria decidiu prestar queixa e processá-lo na justiça. Ela recebeu medida protetiva, os dois se separaram, e João foi condenado. Mas como foi enquadrado como lesão corporal simples nunca foi preso. Maria é um nome fictício de uma história real e que se repete no Rio Grande do Norte aos milhares.

Hoje, os juizados de violência doméstica e familiar contra mulher no Rio Grande do Norte têm taxa de 62% de congestionamento. A taxa de congestionamento mede o percentual de processos que ficaram parados em relação ao total tramitado no período de um ano. Quanto maior o índice, mais difícil será para o tribunal em lidar com o estoque de processos, e menos protegidas estão as mulheres que esperam um desfecho para as denúncias.

O Rio Grande do Norte tem hoje cinco juizados especiais: três em Natal, um em Mossoró e outro em Parnamirim. Só no mês de março de 2022 deram entrada nestes juizados do Tribunal de Justiça 414 novos processos, enquanto outros 317 foram baixados. Este ano, de janeiro a março foram 1.006 novos casos – são mais de 11 casos por dia. Neste mesmo período 903 casos foram encerrados.

Em março deste ano, o Tribunal de Justiça tinha 11.382 processos pendentes de violência contra mulher. O número alto não é nem metade do que se registrou durante o auge da pandemia. Em julho de 2021, as pendências passaram de 22 mil casos.

Pandemia
Apesar do número de processos pendentes, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte é o que tem mais varas especializadas neste tipo de casos quando levamos em consideração os tribunais do mesmo porte. Minas Gerais, por exemplo, tem apenas quatro juizados especiais de violência contra a mulher. Apesar do esforço parece que muito mais precisa ser feito. O nosso estado tem 302 novos casos a cada 100 mil habitantes.

Até 2019, todos os processos do juizado em Mossoró eram físicos – então tiveram que passar por uma digitalização. Caixas e caixas de processos foram enviadas para Natal. Isso atrasou bastante a resolutividade de alguns casos, mas foi fundamental para que os magistrados pudessem trabalhar durante a pandemia. Hoje os advogados das partes não precisam mais ir até o fórum para entrar com algum pedido.

Para a equipe técnica do juizado, o aumento de casos de violência contra mulher durante a pandemia foi notado de forma indireta. Muitas mulheres não podiam procurar a delegacia e ficaram mais tempo com seus agressores – ou seja, com menos oportunidades de fazer denúncias. Mesmo com todas as limitações, o número de pedidos de medidas protetivas não caiu.

Durante o período, Mossoró recebeu uma ferramenta importante de garantia das medidas protetivas: a Patrulha Maria da Penha. Uma parte é vinculada à Guarda Municipal (começou a funcionar em dezembro de 2020) e outra a um núcleo da Polícia Militar especializado no acompanhamento de mulheres vítimas de violência (que começou a atuar no fim de 2021).

Perfil dos Casos
O juiz Renato Magalhães, do juizado em Mossoró, acredita que o perfil dos casos de violência que chegam aos tribunais não são diferentes em Mossoró, Natal ou qualquer outra parte do país. A maioria dos casos é de ameaça e violência física. Mas se engana quem acredita que só os companheiros são os responsáveis.

 

Os principais casos de violência que temos em Mossoró não se dão exclusivamente entre companheiros, namorados e maridos. Mas também de pai com filha, de filho em relação a mãe, de irmão com relação a irmã. Os principais casos que temos aqui são de ameaça. O segundo é a agressão física que não deixa marcas – que a gente chama de ‘vias de fato’, e a lesão corporal de natureza leve. Estas três infrações correspondem a praticamente 90% do volume [de processos] que nós temos”.

Violência Psicológica
O perfil dos casos que chegam ao Poder Judiciário vem mudando gradativamente. Há um aumento de casos com denúncias de violência psicológica. A definição ficou mais clara após uma lei de julho de 2021 enquadrar este tipo de violência como crime dentro da Lei Maria da Penha.

A lei caracteriza como violência psicológica qualquer conduta que cause dano emocional, diminuição da autoestima e que vise degradar a mulher ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões. Embora menos expostas a vulnerabilidade econômica e social, mulheres de classes mais abastardas denunciam cada vez mais seus agressores. Vítimas com este perfil começaram a aparecer mais nos tribunais.

Medidas Protetivas
Quando analisamos a quantidade de medidas protetivas concedidas pelo Tribunal nos últimos anos, vemos que o assunto merece atenção do poder público. Em 2016, primeiro ano do levantamento do CNJ, foram aplicadas 1.495 medidas protetivas. Este número foi subindo até que em 2020, último dado disponível, foram 3.394 medidas deste tipo.