Suspensão de tratamento escolar e domiciliar para autistas é mantida

Após reuniões com pais e responsáveis, a Unimed Natal manteve a suspensão do tratamento para crianças autistas, em ambiente escolar e domiciliar, realizado por meio de Assistentes Terapêuticos (AT). A questão está sendo acompanhada pelo Ministério Público Federal, que emitiu uma recomendação à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para que adote providências que garantam o devido atendimento. Em resposta, a ANS informa que fará a devida análise e, no prazo assinalado, prestará os esclarecimentos necessários. A suspensão afeta cerca de 300 crianças que precisam do serviço.

Desde o mês de abril, o plano de saúde suspendeu essa aplicação terapêutica por não constar explicitamente no Rol de Procedimentos da ANS. Segundo a Unimed, as terapias do tipo AT não possuem previsão de cobertura contratual por nenhum plano de saúde do país, se forem realizadas em domicílio ou ambiente escolar. A decisão veio após uma auditoria de qualidade feita para verificar o cumprimento das horas do Plano Terapêutico dos clientes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), bem como a qualificação dos profissionais responsáveis pela aplicação das terapias.
Na quinta-feira passada (28), o MPF emitiu uma recomendação sobre o assunto após abertura de procedimento para averiguar o caso. Nela, o procurador Camões Boaventura criticou o fato de o corte promovido pelo plano de saúde, “abruptamente”, prejudicar as terapias adotadas pelos médicos através da Análise Aplicada do Comportamento (ABA) e do método Denver de Intervenção Precoce. O Ministério segue acompanhando a situação e ainda não é possível afirmar se serão ou não adotadas outras ações dentro do procedimento.
“O tratamento mais adequado para o autista cabe exclusivamente ao médico e não ao plano de saúde, de modo que o convênio não pode interferir no tratamento necessário ao desenvolvimento mental e social do indivíduo diagnosticado com o Transtorno do Espectro Autista, tendo a operadora de saúde, diante da prescrição médica explicita, a obrigação de cobrir a todas as terapias recomendadas”, resume o procurador.
A recomendação requer o envio de ofício à Unimed Natal pela Agência “esclarecendo que o profissional de saúde possui a prerrogativa de indicar a conduta mais adequada da prática clínica (…), orientando nesse sentido que a operadora de saúde retome com urgência a oferta de terapia aos usuários com Transtorno do Espectro Autista em ambiente natural, tais como escola e domicílio, conforme orientação médica para cada caso”.
Procurada pela reportagem, a ANS esclareceu que fará a devida análise a respeito e, no prazo assinalado, prestará os esclarecimentos necessários para contribuir com o MPF no tratamento do assunto. “É importante esclarecer que existem variadas formas de abordagem do Transtorno do Espectro Autista (TEA), desde as individuais realizadas por profissionais treinados em uma área específica, até as compostas por atendimentos multidisciplinares”, dizem.
Por isso, ressaltam que a cobertura a esses pacientes está estabelecida no Rol por meio de consultas ou de sessões com médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas, de forma que ela não trata de métodos ou manejos a serem aplicados pelo profissional durante os atendimentos, deixando a cargo do profissional a escolha do método mais adequado, a depender do caso.
Quanto ao posicionamento do Ministério Público Federal, a Unimed Natal informou que oferece aos beneficiários neuroatípicos  toda assistência terapêutica prevista pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), além de ser a única a disponibilizar um espaço exclusivo onde funciona o Núcleo de Terapias Especiais.
Pais buscam restabelecer tratamento
Em reunião realizada no dia 20 de abril, a diretoria da Unimed Natal com sua equipe de gestores, conversou com representantes de grupos de pais de crianças em tratamento de terapias especiais. Por meio de sua assessoria, informam que, além de ouvir cada um dos casos, apresentaram os projetos que já estão sendo desenvolvidos pela cooperativa no cuidado com as crianças.
“Na oportunidade também foi apresentada a criação de um canal de comunicação direto e exclusivo para os esclarecimentos das questões envolvendo o Plano Terapêutico de cada criança e o compromisso de uma agenda positiva para os próximos meses. Foram também apresentados os serviços já implantados no Núcleo de Terapias Especiais da Unimed Natal, um espaço de cuidado e acolhimento às crianças e familiares, demonstrando assim o total empenho da operadora em construir, ao lado dos pais, o melhor serviço”, apontam em nota.
Josiane Batista, 33 anos, tem reunião marcada com a Unimed nesta segunda-feira (02) onde irá tentar um acordo com o plano para retomar o atendimento escolar de seu filho João Lucas. Desde o dia 12 de abril, o menino de seis anos não conta mais com essa aplicação terapêutica na escola, fator que já impacta em regressão no seu quadro. “Hoje à tarde vamos tentar esse acordo. Caso não seja uma reunião bem sucedida, vamos colocar na Justiça porque é um direto do meu filho”.
“Acompanhamos as reuniões com a Unimed e eles parecem bem firmes na opinião deles, mas tenho fé em Deus que vamos conseguir. Se não fosse para cobrir esse tratamento, porque estava sendo feito antes? Na escola, João não senta mais para fazer tarefas, não se senta para lanchar, é muito impaciente e se estressa quando há uma mudança de rotina. A AT sempre ajudava nesse sentido e orientava os professores”, relata.
Caetano, filho do advogado Diogo Amorim, tem três anos e possui indicação para atendimento com AT em ambiente domiciliar. O pai do menino conta que, apesar de Caetano ainda ter horas autorizadas para a terapia, já não conta mais com o atendimento. “Como as clínicas tiveram que fazer um rearranjo e a AT de Caetano pediu afastamento por motivos de saúde, acabou que ele ficou sem, mesmo com horas autorizadas que já irão vencer”, diz.
“Estamos acompanhando tudo por intermédio do advogado e a informação que temos é que a Unimed mantém a suspensão, apenas autorizando a terapia no ambiente da clínica. A recomendação do MPF é uma boa notícia, mas creio que só resolverá mesmo com determinação judicial, infelizmente”.
Segundo o advogado Rafael Azevêdo, os pais se animaram com a recomendação. “Com certeza é algo que fortalece nossa defesa quanto à manutenção dos ATs em âmbito domiciliar e escolar. É a sinalização que o entendimento do MPF reconhece a necessidade e importância da aplicação da terapia nos ambientes naturalísticos da criança”, comenta. Rafael, que também é pai de autista, participou de reunião com a Unimed no dia 14 de abril como membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/RN. “Depois disso, não recebemos mais respostas da Unimed, nem para uma nova reunião”.
O custo do trabalho dos Assistentes Terapêuticos (AT) é calculado por hora, a depender do quantitativo que for prescrito pelo médico. Geralmente, as terapias ABA e Denver demandam 30 a 40 horas semanais, a serem divididas entre clínica, casa e escola. No mês, o tratamento completo por clínica credenciada sai em torno de R$18.000. Caso seja profissional particular, o valor pode subir para R$ 24.000 mensais.