Antes de ser nomeado “califa”, ou líder do grupo terrorista Estado Islâmico (EI), Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurayshi, morto em um ataque americano na madrugada desta quinta-feira, colaborou com os serviços de inteligência dos EUA e delatou dezenas de extremistas quando esteve preso, há cerca de quinze anos.
Al-Qurayshi, um integrante do Exército de Saddam Hussein (1979-2003), seguiu o mesmo caminho de muitos de seus ex-colegas e se juntou, em 2003, a grupos insurgentes após o desmantelamento das Forças Armadas ocorrido depois da invasão americana.
Ele foi preso em 2007, acusado de laços com organizações extremistas, e enviado para o chamado Camp Bucca, a prisão militar nos arredores de Basra, onde conheceu os futuros líderes do EI, incluindo Abu Bakr al-Baghdadi.
Estado Islâmico do Khorasan: Conheça a filial do Estado Islâmico no Afeganistão, inimiga comum de EUA e Talibã
Filiho de um líder religioso local na cidade de Muhallabiya, perto de Mosul, al-Qurayshi possuía formação teórica em jurisprudência islâmica — as habilidades de combate só foram aprendidas já em ação, ao lado de outros jihadistas.
Imagens aéreas mostram escombros, cápsulas de projéteis e poças de sangue no local do ataque em Atme, no noroeste da Síria. Um morador relatou ter ouvido pequenas explosões na casa vizinha e depois explosões maiores. O dono do imóvel disse que o prédio estava alugado para um homem que morava ali com a mulher e três filhos, além da irmã viúva e a sobrinha
Uma vez preso, ficou conhecido como um prisioneiro modelo, “tagarela” e que colaborava com os agentes de inteligência, em especial quando precisava delatar rivais no Estado Islâmico do Iraque (EII), a organização que daria origem ao EI. De acordo com seus interrogadores, tinha um especial ódio a extremistas de outras regiões, como o Norte da África.
“O prisioneiro parece cooperar mais e mais a cada sessão [de interrogatórios]”, diz um documento militar dos EUA, de 2008. “O prisioneiro está fornecendo muitas informações sobre os associados do EII.”
Retomada:Estado Islâmico volta a crescer, impulsionado por vácuo de poder no Iraque e na Síria
Um caso específico, mencionado pelo Washington Post, foi o de um homem apontado como número dois do EII, um cidadão sueco nascido no Marrocos conhecido como Abu Qaswarah: segundo o jornal, al-Qurayshi desenhou mapas do complexo onde ele se abrigava e indicou o nome do mensageiro pessoal do terrorista.
Até sua libertação de Camp Bucca, em meados de 2009, ele havia delatado 88 extremistas envolvidos em atividades terroristas, o que levou à prisão ou morte de dezenas deles. Como notaram os interrogadores, al-Qurayshi explicou, em detalhes, quem eram todos os nomes anotados em seu livro de contatos e até qual era o salário de cada um deles.
“Ele fez muitas coisas para salvar seu próprio pescoço, e tinha um histórico de hostilidade, incluindo durante os interrogatórios, contra estrangeiros no Estado Islâmico”, afirmou ao Washington Post, em 2021, Christopher Maier, secretário assistente de Defesa para operações especiais e conflito de baixa intensidade. “Com o crescimento do EI e o desejo de formar um califado, com milhares de soldados estrangeiros, isso poderia ser problemático [para ele]”.
Após sua libertação, passou a ocupar posições de destaque no EI, mantendo o mesmo perfil reservado de seus primeiros dias em organizações extremistas. Segundo a inteligência dos EUA, al-Qurayshi, conhecido ainda pelos nomes de Abdullah Amir Mohammed Saeed al-Mawla e Hajji Abdullah Qardash, foi um dos arquitetos do genocídio contra a minoria yazidi no Iraque, iniciado em agosto de 2014. Segundo estimativas da ONU, cerca de cinco mil pessoas foram mortas e mais de 15 mil capturadas, incluindo incontáveis mulheres que sofreram abusos e chegaram a ser vendidas como escravas.